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Painel da Energy Week destaca limites das ferramentas data-driven, avanços em modelagem físico-computacional e desafios operacionais que impactam diretamente eficiência, segurança e pegada de carbono na produção offshore.

A aplicação de inteligência artificial na produção offshore tem avançado, mas ainda enfrenta barreiras técnicas decisivas — especialmente quando se trata de operar sistemas complexos, com longos tiebacks, eventos raros e sensores limitados. Esse foi o ponto de partida do painel Desafios da produção em águas ultraprofundas, realizado na última sexta-feira (5/12) durante a Energy Week, promovida pelo Centro de Estudos de Energia e Petróleo (CEPETRO) da Unicamp.

João Carneiro (Hybrid AI – ISdB) apresentou uma reflexão contundente: a expectativa de que IA resolveria problemas de operação offshore esbarra em limitações físicas, de dados e de confiabilidade, sobretudo em contextos onde falhas podem resultar em perdas de milhões de barris por ano.

Ele explicou que, nos sistemas reais, os sensores críticos são poucos, os eventos de interesse são raros e os dados históricos — quando existem — frequentemente precisam ser descartados por ruído, congelamento ou inconsistências, inviabilizando modelos baseados apenas em aprendizado estatístico. “Ter dados não significa ter dados de boa qualidade. Em muitos casos, quando limpamos o histórico, não sobra quase nada para treinar um modelo puramente data-driven.” 

Por isso, defendeu o uso de modelos híbridos, incorporando equações físicas consolidadas da engenharia de escoamento, combinadas a algoritmos de IA. Um dos exemplos citados foi o projeto desenvolvido com a Petrobras para detecção precoce de hidratos, anomalias de válvulas e vazamentos de gás — problemas que, se não diagnosticados rapidamente, geram paradas imprevistas e impactam diretamente a produção.

Outro ponto central apontado por ele foi o desafio dos tiebacks cada vez mais longos. Carneiro citou um projeto que deverá se tornar o recorde de tieback de óleo no Brasil, com aproximadamente 30 km de extensão. Em sistemas tão extensos, a dispersão dos sinais, a ausência de sensores intermediários e a necessidade de operar com alta eficiência tornam a modelagem híbrida ainda mais crítica.

“No Flow Assurance, IA não é plug-and-play. As ferramentas puramente data-driven não entregam o que a operação precisa — e isso não tem a ver com o modelo ser bom ou ruim, mas com as características físicas do sistema.” 

Claudio de Lima, da Equinor, trouxe a perspectiva da operadora ao tratar dos desafios de produzir em águas ultraprofundas: altas pressões e temperaturas, grandes profundidades, geologia parcialmente conhecida e custos elevados que exigem decisões acertadas desde as fases mais iniciais de um campo.

Ele explicou que o sistema offshore é composto por dois blocos com naturezas de controle muito diferentes: subsuperfície, marcada por incerteza, dados escassos e limitado poder de intervenção; e engenharia de superfície e subsea, onde há maior controle, mas também enorme complexidade e custos bilionários.

“A busca é sempre por flexibilidade e previsões robustas. Um modelo imaturo de reservatório pode levar a soluções rígidas, caras e difíceis de operar no longo prazo.” 

Lima também reforçou a importância da integração multidisciplinar — geologia, engenharia de poços, subsea, topside, exportação de fluidos — para garantir segurança operacional, continuidade de produção e execução eficaz do Plano de Desenvolvimento.

“O papel do R&D é fundamental: laboratórios, modelagem e dados operacionais precisam alimentar um ciclo contínuo de melhorias ao longo de toda a vida do campo.” 

Já Vanessa Guersoni apresentou o trabalho desenvolvido pelo Centro de Inovação em Produção de Energia (EPIC) com foco no campo de Bacalhau, operado pela Equinor. O óleo é leve, mas o campo apresenta três desafios clássicos de garantia de escoamento: deposição de parafinas, deposição de asfaltenos, e formação de emulsões, mesmo com baixo teor de asfalteno.

Ela destacou que Bacalhau possui estimativa de 9 kg de CO₂ por barril produzido, metade da média mundial — índice que pode ser reduzido ainda mais à medida em que problemas de escoamento forem mitigados.

Segundo ela, o grupo ALFA, do CEPETRO, tem desenvolvido estudos que abrangem desde modelos termodinâmicos capazes de prever a precipitação de asfaltenos e a estabilidade de emulsões até testes em condições realistas de PVT, fundamentais para selecionar e qualificar químicos como inibidores e desemulsificantes. 

A pesquisa também inclui o uso de um flow loop equipado com microscopia confocal, que permite observar, em tempo real de experimento, a formação e o crescimento de cristais de parafina durante o escoamento, além de avanços em modelagem para aprimorar a previsão da difusividade de parafinas, área em que modelos tradicionais apresentam limitações. 

“É fundamental entender o quanto os ensaios de bancada representam as condições reais do pré-sal. Só assim conseguimos orientar a indústria e reduzir custos, instabilidades e impactos de produção.” 

Realizada de 3 a 5 de dezembro no Auditório da FCM/Unicamp, a Energy Week reuniu especialistas de empresas, academia e órgãos de fomento para debater transição energética, inovação tecnológica e o papel do petróleo e gás no cenário global. O evento foi promovido pelo CEPETRO/Unicamp e integrou diferentes centros de pesquisa em energia, como EPIC, ETRC, CINE e CEMOBE. O painel Desafios da produção em águas ultraprofundas, foi moderado pelo prof. Marcelo Souza de Castro, diretor do CEPETRO.

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