Revisão científica destaca as oportunidades e os desafios de uma tecnologia promissora para a mobilidade sustentável em países que produzem biocombustíveis, como o Brasil.
Uma revisão publicada no Journal of Energy Chemistry por pesquisadores do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE) e instituições parceiras analisa o estado da arte de uma tecnologia promissora para a mobilidade elétrica: as células a combustível do tipo MS-SOFCs (metal-supported solid oxide fuel cells, na sigla em inglês). Segundo os autores, esse tipo de célula a combustível, ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento, pode vir a desempenhar um papel importante na transição energética do setor automotivo, especialmente em países com ampla produção e comercialização de biocombustíveis, como Brasil, Estados Unidos, Tailândia, Índia e algumas nações africanas.
“Nosso estudo mostra que as MS-SOFCs oferecem uma alternativa promissora para a descarbonização do setor de transportes”, afirma Gustavo Doubek, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do CINE – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) apoiado pela FAPESP, pela Shell e pelo CEPETRO (Centro de Estudos de Energia e Petróleo). “É uma solução viável e escalável, especialmente para países como o Brasil, que têm ampla disponibilidade de biocombustíveis.”
As MS-SOFCs têm chamado atenção da comunidade científica e da indústria por suas características técnicas: combinam alta eficiência energética, durabilidade e flexibilidade de combustível, além de superar limitações associadas a tecnologias já disponíveis, como os longos tempos de recarga das baterias e os altos custos envolvidos na infraestrutura para abastecimento com hidrogênio.
A revisão foi realizada por pesquisadores da Unicamp, do Instituto Mackenzie de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias (MackGraphe), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da King Abdullah University of Science and Technology (Kaust, Arábia Saudita). O trabalho contou com apoio da FAPESP por meio de quatro projetos de pesquisa.
A análise integra um esforço mais amplo do CINE para investigar soluções de descarbonização do setor de transportes, incluindo o desenvolvimento de novos materiais e arquiteturas para MS-SOFCs, pesquisas sobre reformadores e o uso de diferentes biocombustíveis.
“O diferencial do CINE está na capacidade de conectar a pesquisa de ponta com aplicações reais”, destaca Hudson Zanin, também professor da Unicamp, pesquisador do CINE e coautor do artigo. “Queremos que as MS-SOFCs deixem de ser apenas promissoras e se tornem uma realidade prática, acessível e sustentável.”
Vantagens potenciais
Segundo os pesquisadores, as MS-SOFCs podem apresentar diversas vantagens quando comparadas a tecnologias já em uso. Em relação aos carros com motor a combustão interna movidos a etanol, as células a combustível têm maior eficiência: geram mais energia por litro de combustível, aumentando a autonomia do veículo. Como se trata de um sistema elétrico, o funcionamento também é mais silencioso e confortável.
Em relação aos veículos elétricos com baterias convencionais, as células MS-SOFCs se destacam pela rapidez no abastecimento do tanque, semelhante ao tempo de reabastecimento de um carro comum, e por não sobrecarregarem a rede elétrica, o que pode ser uma vantagem em locais com infraestrutura limitada.
Outro diferencial é a flexibilidade de uso de combustíveis: bioetanol, biogás, biometano, amônia verde e até mesmo combustíveis fósseis podem ser usados para gerar eletricidade no sistema. Isso dá às MS-SOFCs uma vantagem prática em relação aos veículos a hidrogênio, que dependem de uma infraestrutura ainda escassa de produção e distribuição do gás.
Além disso, a presença de metais no suporte das MS-SOFCs — ao contrário das células a combustível totalmente cerâmicas — pode torná-las mais robustas e baratas de fabricar, facilitando a produção em escala.
Etanol vira hidrogênio, que vira eletricidade
O funcionamento de um veículo com MS-SOFCs envolve uma cadeia de conversão energética: o tanque é abastecido com etanol (como o derivado da cana-de-açúcar), que passa por um reformador — equipamento que extrai o hidrogênio presente no combustível por meio de reações químicas. Esse hidrogênio é então direcionado para a célula a combustível, onde é oxidado. Ao reagir com o oxigênio do ar, gera elétrons, que alimentam o motor elétrico por meio de baterias ou supercapacitores.
O processo gera como subprodutos água, calor e uma pequena quantidade de dióxido de carbono (CO₂). No entanto, por se tratar de um combustível renovável, o CO₂ emitido tende a ser compensado pelo que foi absorvido pelas plantas durante o cultivo da biomassa, resultando em emissão líquida próxima de zero.
Caminho para a aplicação comercial
Embora a tecnologia ainda não esteja presente em veículos comercializados, já foi testada em protótipos, como o e-Bio Fuel Cell, apresentado pela Nissan no Brasil em 2016. O artigo destaca que, apesar do grande potencial, ainda são necessários avanços na durabilidade, desempenho e redução de custos das MS-SOFCs para torná-las viáveis comercialmente.
Esses desafios, bem como o status atual da tecnologia, são detalhados no estudo, que também contou com apoio da Unicamp, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Shell, com suporte estratégico da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O artigo completo, intitulado Reviewing metal supported solid oxide fuel cells for efficient electricity generation with biofuels for mobility, pode ser acessado em: ScienceDirect
Com informações da Agência Fapesp